Para que serve o índice de Gini?

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Um dos números mais trazidos para discussões sobre liberalismo econômico é o índice de Gini, criado em 1912 pelo italiano Corrado Gini. Esse índice (que é melhor descrito como um coeficiente) pode ser usado como medida de dispersão de qualquer variável de uma amostra, como altura, peso, número de filhos, etc… Mas seu uso mais comum é medir a desigualdade de renda entre as pessoas de uma economia.
Apesar de sua fórmula matemática ser complexa, ele é relativamente simples de ser explicado com um exemplo. Podemos supor uma economia de apenas dez pessoas, sendo que a renda da primeira delas é de R$ 1.000, a da segunda é de R$ 2.000, e assim por diante até a última de renda igual a R$ 10.000. Vamos colocar esses dados, nessa ordem, em uma tabela.
Realidade | Igualdade | ||
---|---|---|---|
Renda | Acumulada | Renda | Acumulada |
1.000 | 1.000 | 5.500 | 5.500 |
2.000 | 3.000 | 5.500 | 11.000 |
3.000 | 6.000 | 5.500 | 16.500 |
4.000 | 10.000 | 5.500 | 22.000 |
5.000 | 15.000 | 5.500 | 27.500 |
6.000 | 21.000 | 5.500 | 33.000 |
7.000 | 28.000 | 5.500 | 38.500 |
8.000 | 36.000 | 5.500 | 44.000 |
9.000 | 45.000 | 5.500 | 49.500 |
10.000 | 55.000 | 5.500 | 55.000 |
A segunda coluna recebe a renda acumulada dessas dez pessoas. Então o primeiro valor é igual aos R$ 1.000 de renda da primeira pessoa; o segundo é igual a esses R$ 1.000 mais os R$ 2.000 de renda da segunda pessoa; e assim por diante até a décima pessoa com uma renda acumulada (que será igual à renda total da economia) de R$ 55.000.
As duas últimas colunas mostram como seriam esses números se a renda dessa economia fosse distribuída uniformemente por toda a população. Podemos ver que nesse caso cada um receberia seus 10% de R$ 55.000, e na última coluna temos essa renda acumulada como feito anteriormente.
Agora precisamos colocar as duas colunas de renda acumulada em um gráfico. A primeira renda acumulada é representada pela linha preta, e a última pela linha vermelha.
Essas duas linhas formam duas áreas no gráfico, uma vermelha e outra cinza. O coeficiente de Gini é igual à área vermelha (R$ 82.500) dividida por toda a área colorida do gráfico (82.500 + 192.500 = R$ 275.000). Nesse nosso exemplo, teremos um coeficiente de 0,30. Quanto mais desigual forem as rendas da população, maior será esse coeficiente porque maior será a distância entre as duas linhas.
Esse é o cálculo, mas para realmente entendê-lo, precisamos ver como ele se comporta sob algumas variações. Vamos dar uma olhada no gráfico abaixo.
A diferença é sutil, aqui temos um coeficiente de 74.850 / (74.850 + 190.650) = 0,28, o que mostra que há maior igualdade de renda nesse caso. Até aqui algumas pessoas poderão supor então que esse cenário seja mais desejável do que o primeiro. Mas vamos dar uma olhada em quais são as rendas que geraram esse gráfico.
Realidade | Igualdade | ||
---|---|---|---|
Renda | Acumulada | Renda | Acumulada |
1.000 | 1.000 | 5.310 | 5.310 |
2.000 | 3.000 | 5.310 | 10.620 |
3.000 | 6.000 | 5.310 | 15.930 |
4.000 | 10.000 | 5.310 | 21.240 |
5.000 | 15.000 | 5.310 | 26.550 |
6.000 | 21.000 | 5.310 | 31.860 |
7.000 | 28.000 | 5.310 | 37.170 |
8.000 | 36.000 | 5.310 | 42.480 |
8.100 | 44.100 | 5.310 | 47.790 |
9.000 | 53.100 | 5.310 | 53.100 |
Repare como todas as pessoas recebem exatamente a mesma renda que recebiam no primeiro caso, exceto as duas últimas que tiveram suas rendas reduzidas em 10% cada. Ou seja, ninguém está em situação melhor (alguns ainda estão em situação pior). É difícil de se argumentar agora que o segundo cenário seja mais desejável do que o primeiro, quando ninguém melhorou de situação.
Mas vamos ver ainda mais um caso. Qual seria o coeficiente em uma economia de dez pessoas em que a menor renda seja de R$ 500, e as demais sejam incrementadas em R$ 200 cada?
Realidade | Igualdade | ||
---|---|---|---|
Renda | Acumulada | Renda | Acumulada |
500 | 500 | 1.400 | 1.400 |
700 | 1.200 | 1.400 | 2.800 |
900 | 2.100 | 1.400 | 4.200 |
1.100 | 3.200 | 1.400 | 5.600 |
1.300 | 4.500 | 1.400 | 7.000 |
1.500 | 6.000 | 1.400 | 8.400 |
1.700 | 7.700 | 1.400 | 9.800 |
1.900 | 9.600 | 1.400 | 11.200 |
2.100 | 11.700 | 1.400 | 12.600 |
2.300 | 14.000 | 1.400 | 14.000 |
Como podemos ver, o coeficiente caiu ainda mais para 16.500 / (16.500 + 53.500) = 0,24. O problema é que todas as pessoas, sem exceção, estão em situação econômica pior do que antes! O gráfico abaixo mostra a renda de cada uma das dez pessoas. Todas estão vivendo com menos, apesar do coeficiente de Gini ter “melhorado”.
O que há de errado então com o coeficiente de Gini?
O problema é que ele parte do pressuposto de que a renda total de uma economia é fixa, e apenas verifica quanto a distribuição dessa renda está próxima de uma distribuição perfeitamente igual. Isso pode ser visto pela maneira como o cálculo é feito, onde a terceira coluna de cada tabela nada mais é do que a distribuição uniforme da renda total acumulada na coluna anterior.
Esse é um problema muito grave quando se usa esse número para avaliar modelos e políticas econômicas (como geralmente é usado), porque esses modelos e políticas afetam não somente a distribuição de renda entre as pessoas, mas também a renda total da economia. Olhar para apenas um desses efeitos é fechar o olho para a realidade como um todo. A humanidade vem produzindo cada vez mais renda por pessoa ao longo da História, e isso por si só já é o suficiente para provar que o pressuposto implícito no cálculo do coeficiente de Gini não se verifica no mundo real.
A única conclusão a que podemos chegar é que o índice de Gini (ou qualquer medida que verifica meramente a distribuição relativa de renda ou riqueza) não nos dá qualquer informação relevante, e não deve ser usado nem mesmo como dado complementar a outros.
É claro que menor coeficiente de Gini não implica necessariamente em renda total menor, mas se o que se quer saber é quais são as rendas mais baixas em uma economia, deve-se olhar para esse dado diretamente. E quando encaramos o problema dessa maneira, o liberalismo econômico é imbatível em proporcionar maior renda e melhores condições de vida para todos, inclusive para os mais pobres.
Gostaria de saber sobre algum estudo que correlacione a mobilidade social, por faixa de renda, com aplicação das políticas liberais e econômicas.
Boa análise, mas estando longe da perfeição o coeficiente de Gini é o mais indicado para aferir a desigualdade social. O liberalismo econômico parece facilitar as contínuas crises, as quais costumam ser sanadas pelos governos e não pelo mercado, em geral seguindo a cartilha ortodoxa de “tirar” da população para repor ao capital financeiro.
Não às ditaduras e Não ao liberalismo exagerado
Olá, Newton! Eu não diria que o liberalismo econömico facilita as contínuas crises. Ele facilita o empreendedorismo, que contrata mão de obra e produz os bens que os consumidores precisam. Creio que a melhor vacina contra as crises é justamente permitir que a economia cresça livremente.